A importância do trabalho de campo para um jornalismo mais humanizado – por Júlia Medeiros
Apesar de o ano de 2016 ter sido turbulento política, social e academicamente, rendeu bons frutos ao curso de jornalismo. Os alunos de Jornalismo Jaqueline Suarez, Luis Henrick Teixeira, Gabriella Willer e Larissa Bozi trouxeram para a UFRRJ o prêmio de Melhor Reportagem Impressa e Melhor Revista Laboratório da Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação (EXPOCOM) da região Sudeste, concorrendo com a revista Contraponto elaborada para a disciplina de Planejamento Editorial ainda no período de 2015.2, com a orientação da docente Ivana Barreto.
A temática surgiu de um questionamento coletivo do grupo, que contava com dois componentes cariocas e dois de outros estados – São Paulo e Bahia –: “o que unia os quatro?”, já que cada um deles gostava de áreas diferentes. A resposta foi o Rio de Janeiro. Todos eles, naturais do estado ou não, vieram em busca dos seus sonhos.
Aproveitando que a cidade do Rio de Janeiro fazia 450 anos naquele ano, a abordagem da revista foi definida: mostrar um lado do Rio longe dos estereótipos. Por que não expor as histórias que o Rio não conta? Para além do lado turístico e do lado violento?
As pautas foram sendo atribuídas de acordo com as áreas, da forma mais democrática possível. Nessa procura, eles observaram que havia muito sobre o que falar na Zona Norte e Sul, mas não adiantariam ótimos assuntos nos mesmos lugares de sempre se o foco era a diversidade. Por isso, buscaram falar do Rio como um todo.
O grupo aposta que o sucesso da revista e, consequentemente da reportagem, se deve ao lado social do projeto. “A gente sempre conversava que não tinha como você cobrir a matéria e voltar do mesmo jeito que saiu. Sempre voltava diferente, por ter a experiência de sentar no sofá e ouvir coisas de uma pessoa que perdeu dois filhos de forma bárbara. Chorei muito nessa matéria. Você ouvir uma mãe contando tudo… É uma mãe, sabe? A gente não pode chegar e dizer ‘sou jornalista, estou aqui só para ouvir a história’. Você tem que ser humano, sim. Acho que, se você não for humano, o negócio nem flui. Esse sentimento contribui, também faz parte do conteúdo que estamos apurando”, desabafa Jaqueline.
Após a definição de pautas, eles chegaram à conclusão de que não poderiam fazer nenhuma entrevista por e-mail, deveriam ir a campo para cumpri-las. “Não tem como falar de uma cidade de um jeito humanizado sem estar lá presente, sem viver um pouco da realidade daquelas pessoas. Então, como falamos dos ambulantes do BRT, tivemos que andar de BRT, passamos um dia inteiro eu e Larissa, depois a Gabi também. A gente teve que sentir na pele cada um desses projetos da Contraponto”, contou Luís.
Segundo Jaqueline, a ideia principal era contrapor a mídia não só nos temas, mas também nas abordagens, evitando ficar na superficialidade e no reducionismo. Cada integrante do grupo se responsabilizou por uma pauta, apesar de todos participarem de seu andamento.
Sobre o nível do contato com as fontes, Gabriella ainda complementa: “entrevistas por e-mail não passam sentimento, parece algo mais frio, a pessoa escolhe as palavras e acabamos por perder a essência. Fica tudo muito mecânico. Quando você conversa com o entrevistado, um relato leva a outras perguntas… Particularmente, estar em contato com o entrevistado e com sua questão me fazem aprender e aplicar até mesmo na minha vida pessoal”, relatou. Larissa concorda: “O jornalismo precisa do contato, precisa da emoção, precisa estar no lugar para sentir, ver o ambiente, o clima, o que aquela pessoa passa, são relacionamentos quentes. WhatsApp, e-mail e telefone esfriam o relacionamento em vez de trazer uma aproximação de fato. As pessoas podem falar qualquer coisa através das redes e, pessoalmente, elas falariam de forma diferente por estar te vendo. Fazer matéria por e-mail e um comodismo que, infelizmente, hoje em dia, enfrentamos por causa da correria. A apuração de campo traz um viés para a matéria muito melhor”.
Durante a busca de aproximação com as fontes e no decorrer da produção das matérias, foram vários os momentos que emocionaram o grupo. Gabriella Willer cita dois: “um foi quando fomos para Realengo. Nenhum adjetivo descreve o que é estar no local que ocorreu a chacina, com as mães das crianças e um sobrevivente. Todos estavam bem emocionados e contaram como foi a semana até o dia do ocorrido. Até hoje não esqueço da voz da mãe de Milena, que chorava ao contar sobre sua filha. O outro momento foi quando acompanhamos uma igreja que distribui alimentos e roupas para pessoas em situação de rua. Sentamos no chão com eles, ouvimos suas histórias, circulamos por Santa Cruz. Ninguém está na rua porque quer, eles não dormem, é como se esperassem por ajuda, mas ninguém nunca chega. Um deles me disse isso, não tive fala. Uma criança, logo quando chegamos, me abraçou, sem eu ter dito nada, e me emocionou muito. São exemplos que durante nosso dia-a-dia deixamos passar despercebidos o quanto são importantes valores e pessoas na nossa vida e ficamos consumidos por “problemas” um tanto superficiais”.
Luís também considera a reportagem “Para sempre mães de anjos”, feita em Realengo, muito emocionante: “Foi forte. Saí de lá querendo ligar para minha mãe, falar com ela. A gente foi até a escola, viu a mudança, as estátuas, a dor das mães e como aquele lugar mexe com qualquer um que esteja lá”.
Para Larissa, foi uma desconstrução de muitos valores: “Fazer apuração no Acari com a Jaqueline foi uma experiência extremamente impactante, porque foi a primeira vez que entrei na favela, vi pessoas armadas, passei por elas… A gente encontrou a mãe, ouviu a versão dela que, de fato, é muito emocionante. A gente só ouve aquilo que a mídia fala… ‘Bandido é pra matar, né?’ Taxamos de bandido, traficante”.
Para Jaqueline, foi um choque de realidade: “Uma matéria que é daquelas que você sai se sentindo outra pessoa foi a das pessoas em situação de rua. A gente tem um certo preconceito, receio, uma consciência coletiva que diz que, se está na rua, é porque fez alguma coisa para parar ali. Ter a experiência de sentar no papelão e conversar com os moradores de rua a noite toda é uma situação que te muda. Eles falam que o pior não é passar frio e fome, sentir que as pessoas nem te enxergam é o que mais dói. Enxergam um cachorro, mas não enxergam você do lado dela. Esse tipo coisa é um tapa na cara porque a gente sabe que, inconscientemente, todo mundo faz.
*O título da matéria faz alusão ao livro de Cremilda Medina: Entrevista, o Diálogo Possível. A autoria determina que o diálogo possível acontece no encontro em que o entrevistador e o entrevistado saem modificados; é quando existe uma sensibilidade através do comportamento; é quando o entrevistador se dispõe a ouvir sem esperar nenhuma resposta nem a induzir; é uma honestidade de ambas as partes na hora do diálogo, para que haja uma imersão e aprendizado na inter-relação. Tudo isso pode ser nitidamente observado na revista. Isso só foi viável por eles terem ido abertos a essa experiência e terem ido até cada um dos entrevistados, independente do lugar, da classe social ou econômica.